Chuva


Quando criança, eu ouvia uma "lenda" de uma cidade onde chovia todos os dias no mesmo horário, e as pessoas marcavam encontros para antes ou depois da chuva. Achei tão fantasioso que nunca esqueci isso. Que estranho, saber exatamente quando vai chover... e o pior: chuva todos os dias! Para quem só conhece chuva de outubro a maio, e vive no deserto nos outros meses, é realmente fantasioso.

Mas cheguei tarde... com o aquecimento global, as chuvas das 15 horas não são mais tão pontuais. Às vezes chove só no fim da tarde, ou lá pelas 13 horas. Mas sempre chove. Sempre. Sempre mesmo! No início achei o máximo! Apostava comigo mesma se a chuva cairia às 15 horas, olhava pela janela antes de sair, planejava meus passeios para antes ou depois da chuva. Bacana! Em uma semana choveu sempre às 17h, na outra, às 14h. Muito bacana! Mas depois de ter minhas roupas mofadas, meus sapatos mofados, meu travesseiro mofado e até minha mala mofada, comecei a achar essa tal de chuva diária não tão divertida assim.
E a história de que a chuva só estraga o penteado? Ledo engano. Eu nunca tinha experimentado uma chuva de floresta. É muita água, em poucos minutos cai tanta água que assusta! Não, não dá para imaginar, só quem passa por isso entende. A densidade da chuva é alta! (Densidade pluviométrica?) As gotas ficam tão perto uma das outras que dá para cortar uma fatia da chuva com faca. Égua, mana! Vocês não estão entendendo!
Uma vez, voltando do trabalho, resolvi não fugir da chuva. Munida de coragem, abri minha sombrinha com um gesto audacioso, olhei para os pobres mortais que se abrigavam sob as marquises com um certo desdém e fui. Só eu andando pelas ruas. Que delícia! Que água forte vinha em minha direção desafiando minha pobre e frágil sombrinha! Bem pobre e bem frágil sombrinha... era tanta água, mas tanta água, que em poucos segundos entendi porque os "pobres mortais" procuravam abrigo. Caía água pelas minhas costas, braços, pernas. Molhei até a barriga! Meu pé escorregava dentro da sandália, a água escorria ao longo da coluna... Socorro, Iemanjá! Abracei minha bolsa com proteção maternal e rezei para Iara, a protetora das águas, poupar minha sombrinha; a tão destemida guerreira perdia a luta contra a natureza! E eu comecei a rir. Sinceramente, se não estivesse carregando minha bolsa, teria fechado a sombrinha e brincado como uma criança... não ia fazer muita diferença mesmo, as únicas partes do meu corpo que não ficaram absolutamente ensopadas foram minha cabeça e meu peito! Parecia que eu tinha entrado em uma piscina de roupa e tudo... eras*, nunca mais!
Em Belém, como os belenenses.

* "Eras" é uma gíria local. É um pouco mais suave e elegante do que "Égua!", e possui o mesmo significado: "Eita!" (Não se esqueça de puxar o S como os cariocas).

Comentários

Unknown disse…
Professora Lísia, em primeiro lugar parabéns pela idéia de lançar um blog. Com isso, você abriu um importante canal de informações a todos que desejarem conhecer sua rica experiência profissional e pessoal.
Todos da comunidade taquigráfica brasileira sabemos da sua competência ,dedicação pedagoga e profissional à taquigrafia.
Por incríve que pareça, Lísia, um dos primeiros ditados que fiz como estudante de taquigrafia, ( em 1979, no SENAC_PB) teve como tema a pontualidade da "chuva das 15 horas , em Belém do Pará "Fiquei surpreso em saber da mudança do horário e da intensidade pluviométrica que você tão bem relatou. Mas, é como já disse o filósofo Heráclito de Éfeso: "Nimguém entra duas vezes num mesmo rio". isto é, tudo se transforma... E com este aquecimento planetário, então, nem pensar!
Abrs. e renovados parabéns.
Jório

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